quinta-feira, 14 de julho de 2011

LINGUAGEM E IDEOLOGIA – JOSÉ LUIZ FIORIN

        Fiorin inicia sua obra dando vestígios de suas pretensões e objetivos. Entre eles destacamos o de, não somente mostrar que pronúncias mais prestigiadas são impostas com o objetivo de descriminar seus não usuários, mas também o de “refletir sobre as relações que a linguagem mantém com a ideologia”.
A linguagem não é nem totalmente autônoma; desvinculada da vida social, nem deixa de lado sua especificidade.
Primeiramente, é preciso distinguir o sistema virtual (a língua – social; comum a todos os falantes de uma língua) e sua realização concreta. Esse sistema virtual, abstrato, acontece concretamente no ato da fala. Na realização concreta do sistema necessitamos distinguir fala de discurso. O discurso são os elementos linguísticos usados pelos falantes para exprimir seus pensamentos. A fala é o que o discurso usa para exteriorizar-se psicofísico-fisiologicamente.
Podemos falar em certa autonomia do sistema em relação às formações sociais: grande parte das modificações é causada especificamente por fatores linguísticos. A analogia é um bom exemplo disso. Ela é encarregada de uniformizar o uso para facilitá-lo como no caso de, quando a criança está aprendendo a falar, ela conjuga os verbos da seguinte maneira: fazi, trazi, dizi. Isso se dá porque, em português, a forma produtiva de primeira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo da segunda conjugação é em i (bebi, desci, escrevi), sendo assim, ela (a criança) usa essa regra como modelo. Porém, a criação infantil é eliminada no curso da aprendizagem. Há, no entanto, analogias que produzem alterações no sistema. É o caso de nomes que eram femininos em latim e, passando para o português, tiveram por causa de sua terminação em o seu gênero alterado para masculino, com no caso de árvores: pinho, olmo, choupo.
 Não há como, precisamente, definir quais as razões de aparecimentos de categorias existentes no sistema lingüístico. O que devemos, então, é estudar no nível do discurso essas coerções sociais que determinam a linguagem.
O discurso não é caótico, é estruturado: temos que diferenciar no seu interior uma sintaxe e uma semântica. Pertencem à sintaxe os processos de estruturação do texto. “A semântica discursiva abarca os conteúdos que são investidos nos moldes sintáticos abstratos.” Por exemplo, quando se abre um discurso direto, esse fato pertence à sintaxe, porém, a quem se delega a voz, o que o personagem diz etc. pertencem à semântica. A sintaxe tem certa autonomia em relação a formações sociais, já a semântica depende mais diretamente de fatores sociais.
A sintaxe discursiva usa de estratégias argumentativas e outros procedimentos para criar efeitos de verdade/realidade para convencer seu interlocutor: é o campo da manipulação consciente. A semântica discursiva traz consigo temas discursivos que recobrem determinadas épocas. Nela acontece o campo das determinações conscientes, que constitui um conjunto de elementos semânticos habitualmente usados: dinheiro não traz felicidade; os homens são desiguais por natureza; etc. 
No entanto, não é porque discursos de diferentes extremos utilizam-se de um mesmo elemento semântico que não podemos distingui-los. Para tanto, é preciso que observemos o nível profundo e superficial do discurso, pois cada um dos níveis não tem apenas uma semântica, mas uma sintaxe própria. Dois elementos semânticos podem, por exemplo, apresentar sentidos eufóricos e disfóricos em um determinado discurso enquanto que, num outro, a sequência seja o inverso.
É possível que nós, de várias maneiras, exterioriorizemos um mesmo discurso. Por exemplo, podemos dizer a uma criança que é preciso trabalhar e se precaver. No entanto, podemos também contar a fábula da formiga e da cigarra, que de uma maneira figurativa, recobrirá os mesmos temas: empenho/esforço para poder ter uma vida tranqüila, etc. É uma diferente maneira de dizer a mesma coisa.
Falamos, até agora, de ideologia, fatores sociais de determinam a semântica discursiva, mas ainda não demos uma definição. Pois bem. Ideologia é um conjunto de ideias da classe dominante da sociedade que prevalecem sobre outras – dominados - , usada para explicar fenômenos da ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com outros homens de uma forma invertida a realidade, fazendo-os “comprar uma idéia” e aceitar a “realidade”. O salário, por exemplo, parece-nos uma troca justa na aparência, porém, na essência, o salário nada mais é que um trabalho não pago que gera a mais-valia para o proprietário: esse é o modo de produção capitalista, logo, ideologia burguesa. Ideologia não é individual, é social. E ela é muito mais que essas ideias soltas que faço notas aqui, no entanto, nos está bom no momento.
Uma formação ideológica é uma visão de mundo de uma determinada classe social, ou seja, um conjunto representações de ideias que revelam uma compreensão que cada classe tem do mundo. Como não há idéia sem linguagem, não existe visão de mundo sem linguagem. Sendo assim, cada formação ideológica (visão de mundo) corresponde a uma formação ideológica (conjunto de temas e figuras que materializa uma dada visão de mundo). E se a ideologia dominante é o da classe dominante, o discurso dominante também será o da classe dominante. O pensamento e a linguagem são distintos, mas indissociáveis.
Após essa nossa ultima afirmação, cabe-nos perguntar: “e onde fica a consciência individual?”. Cada pensador descreve-a de um modo singular: Marx e Engels afirmam, em A ideologia alemã, que “a linguagem é a consciência do real”. E Bakhtin diz que “a consciência constitui um fato socioideológico”, porque a realidade da consciência é a linguagem. Segundo essa afirmação, sem a linguagem não podemos falar em psiquismo humano, somente em processos do sistema nervoso pois o conteúdo da consciência são fatores sociais que determinam a vida concreta dos indivíduos do meio social. O discurso não é a expressão da consciência, mas esta, por sua vez, é formada por vários discursos interiorizados pelo individuo ao longo de sua vida. Assim, o homem aprende a ver o mundo pelos discursos que assimilou e, quase sempre, os reproduz na fala.
Como já foi citado anteriormente, há várias formas de se dizer uma mesma coisa, um mesmo discurso. Na linguagem há certa singularidade quando se trata deste assunto. Sabemos que o discurso é abstrato e necessita do texto, concreto, para se exteriorizar. Com isso, há inúmeras formas de se exteriorizar um mesmo discurso; um mesmo tema em vários planos de expressão. Por exemplo, os grandes detalhes que o livro precisa fornecer para que imaginemos uma cena Romântica, com ricos detalhes que, já em filme, não teria tanto enfoque. Neste caso, nunca um será completamente igual ao outro. Há sons, imagens, entre outras coisas que um livro não é capaz de expressar como o cinema, no entanto, há rimas, detalhes que só são possíveis se lidos em um livro. Cada meio de expressão se adaptará ao seu modo. O mesmo acontece se usarmos uma língua natural e não outra: e esse é o problema da tradução.
O discurso é a manifestação da ideologia. Seguindo uma linha de raciocínio, podemos dizer, então, que o discurso também é social, mesmo que os indivíduos pensem que cada um produz o discurso que bem entender. O que faz essa simulação é o fato de que o que exterioriza o discurso é o texto, e, esse sim é individual. Cada um pode textualizar a sua maneira, porém, é coagido a dizer o que sua classe diz. E essa é a dissimulação que o discurso faz: finge ser meu para dissimular que é do outro.
O falante não pode ser considerado como agente do discurso, mas sim como suporte, pois ele fala e pensa o que a realidade permite que ele fale e pense. Quando as formações discursivas vão se materializando em formações ideológicas e estas relacionadas às classes sociais, os agentes discursivos são as classes e as frações de classes. “A aprendizagem lingüística, que é a aprendizagem do discurso, cria uma consciência verbal, que une cada individuo aos membros de seu grupo social. Por isso, a aprendizagem lingüística esta estreitamente vinculada a produção de uma identidade ideológica, que é o papel que um individuo exerce no interior de uma formação social (...). Na medida que o homem é suporte de formações discursivas, não fala, mas é falado pelo discurso.”
O discurso não é um sistema fechado em si se ele cita outro discurso. Ele é um “lugar de trocas enunciativas, em que a historia pode inscrever-se, uma vez que é um espaço conflitual e heterogêneo ou um espaço de reprodução.” Um discurso pode aceitar ou não outros discursos, pode negá-los, ironizá-los. Por isso é que dizemos que o discurso é arena de conflitos e palco de acordos, e, só por estes é que podemos falar em contrato e polemica entre textos.
O analista de discurso não está encabido de desvendar a verdadeira ideologia do autor do discurso. Cabe ao analista ressaltar os efeitos de sentido presentes no texto e indicar a que ideologia pertence. Em um mesmo texto é possível encontrarmos mais de uma ideologia, mais de uma visão de mundo dos enunciadores (um ou mais) presentes no discurso.
Como a linguagem é uma visão de mundo, ela dá forma a esse caos, determinando o que é uma coisa, um acontecimento etc., cria uma imagem ordenada do mundo. E cada língua ordena o mundo à sua maneira. “A linguagem formou-se, no decorrer da evolução filogenética, constituindo um produto e um elemento da atividade prática do homem. À medida que os sistemas lingüísticos se vão constituindo, vão ganhando certa autonomia em relação às formações ideológicas. Entretanto, o componente semântico do discurso continua sendo determinado por fatores sociais. É esse componente que contem a visão de mundo veiculada pela linguagem”. Os filósofos materialistas afirmam que a linguagem é reflexo da realidade. Aqui, reflexo significa dizer que a linguagem condensa, cristaliza e reflete as práticas sociais, ou seja, é governada por formações ideológicas.
Fiorin apresenta nesta obra também alguns exemplos de ideologia(s) presentes em alguns textos. Como exemplo de ideologia no modo de produção capitalista, temos a ideologia burguesa. Esta pode ser exteriorizada em textos recobertos por temas de liberdade, igualdade, naturalidade das relações sociais etc. Um texto pode expor sua(s) ideologia(s) através de temas ou figuras, lembrando que todo texto possui os dois, porém, sempre prevalece um sobre o outro.
Marr afirma que a linguagem faz parte da superestrutura, enquanto que Stálin nega essa hipótese. Vejamos este fato de modo esquemático, portanto, grosseiro.
As afirmações de Marr são negadas, primeiramente, pelo fato de que sua tese da monogênese da linguagem supõe que haveria luta de classes numa sociedade primitiva, onde não havia classes. Em segundo lugar, Marr admite a existência de um pensamento antes à linguagem, porém, Marx e Engels dizem que “a linguagem é tão antiga quanto a consciência”. Também sua tese dos estádios lingüísticos foi por água abaixo: não podemos associar um sistema lingüístico à uma corrente de progresso, nem dizer que determinada língua mudará somente por estar ou não ligada a essa corrente.
Stálin, contrariando as teorias de Marr, afirma que a linguagem não faz parte da superestrutura, pois não há línguas de classe, mas línguas comuns aos mesmos povos. Se assim o fosse, teríamos, por exemplo, uma gramática burguesa e uma gramática proletária. Mas as teorias de Stálin também são alvos de apontamentos sobre algumas falhas: “Stálin vê o problema da linguagem de maneira muito restrita, uma vez que leva em conta apenas a dimensão sistêmica (a língua), não se ocupando do discurso, não podem perceber as determinações históricas que atuam sobre a linguagem”
Negando parcialmente essas negações de Stálin, Fiorin diz que, ao mesmo tempo que a linguagem permeia toda a superestrutura, constitui formações discursivas que pertencem à ordem superestrutural. A linguagem não faz parte da superestrutura, mas é o seu suporte, é através dela que é possível ganhar materialidade.
Fiorin escreve que não há como afirmar ou negar esta pergunta (se a língua faz parte da superestrutura), que ela deve ser positiva e negativa, simultaneamente.
Voltando a falar sobre o discurso, podemos dizer que ao nos utilizarmos dele, estamos agindo. Primeiramente, porque quem diz algo espera estar influindo, de algum modo, sobre seu interlocutor. Quando nos comunicamos queremos que a pessoa que nos ouve mude de opinião, comportamento, faça alguma coisa. Ou ainda, agimos porque em nossa comunicação estamos reproduzindo em nosso discurso elementos da formação discursiva dominante e, consequentemente, para reforçar as estruturas das dominações.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O QUE É IDEOLOGIA?

Partindo de alguns exemplos

Estaremos, pois, desenvolvendo uma breve resenha ressaltando principais passagens do livro de Marilena Chauí – O que é ideologia.
Marilena inicia sua obra abordando os princípios da teoria das quatro causas, sendo elas: 1- toda mudança quantitativa de um corpo qualquer (semente que vira árvore; animal que adoece etc.). 2- toda mudança quantitativa de um corpo qualquer (corpo que aumente ou diminua de volume, se divida etc.). 3- toda mudança de lugar ou locomoção de um corpo qualquer (trajetória de uma flecha, barco; levitar de uma pluma). 4- toda geração e corrupção dos corpos (o nascimento e o perecimento das coisas e dos homens. A partir dessa teoria, os filósofos puderam dar conta do problema do movimento. Haveria, então, a causa material, a causa formal, a causa motriz ou eficiente e, por último, a causa final. Assim, essas quatro causas explicam tudo que existe, mas possuem, porém, valores diferentes entre elas, são hierarquizadas, passando da menos importante, que é a causa eficiente, até a mais valiosa, a causa final.
Essa teoria parece, a primeira instância, nada ter a ver com a realidade social grega. Contudo, sabemos que a sociedade grega e a medieval são sociedades que diferenciam os homens em superiores – homens livres, cidadãos; senhores feudais – ou inferiores – escravos; servos da gleba. Assim sendo, podemos dizer que os homens superiores podem equivaler à causa final da teoria da causalidade, enquanto que os homens inferiores correspondem à causa motriz ou eficiente. Não somente nessas circunstancias, mas também no plano humano ou social, o trabalho aparece como elemento secundário ou inferior, a fabricação como menos importante que seu fim. “A causa eficiente é um simples meio ou instrumento.”
Explicamos, a partir dessas abordagens, a realidade e suas transformações “que, na verdade, é a transposição involuntária para o plano das idéias de relações sociais muito determinadas.” O filósofo, ao elaborar uma teoria, julga estar produzindo idéias verdadeiras que nada devem à existência histórica e social do pensador, que pensa que com essas idéias poderá explicar a própria sociedade em que vive,  mas esse é uma dos traços fundamentais da ideologia, que consiste em tomar as idéias como independentes da realidade histórica e social, fazendo parecer que as idéias explicam a realidade, quando na verdade é ao contrário.
Com o trabalho de Galileu, Francis Bacon e Descartes, reduziu-se as quatro causas apenas a duas: a eficiente e a final, dando a palavra “causa” o sentido que ela tem hoje.
A física moderna considera a Natureza age como um sistema necessário de relações de causa e efeito, sendo as causas: causa motriz e eficiente, sem causa final. Já na metafísica, considera-se também a causa final – ação voluntária livre, de Deus e dos homens. Assim, a Natureza se diferencia de Deus e dos homens. A causa eficiente define a Natureza como reino da necessidade racional, enquanto Deus e os homens constituem o reino da finalidade e da liberdade – agem por vontade própria.
Essa separação entre Natureza e o Homem possibilitou um grande progresso teórico, pois eliminando as causas finais do plano da Natureza eliminou explicações antropomórficas que impediam o desenvolvimento da ciência Física.
Sendo assim, o homem é um ser universal, livre; uma máquina natural que obedece à causalidade eficiente, mas que age em fins livremente escolhidos. O trabalho aparece, agora, como uma das expressões do homem como ser natural e espiritual.
A nova sociedade, livre de escravidão e servidão, começa a valorizar a si mesmo, seu trabalho e o que adquiriu com ele. Então surge o burguês. Mas não só o burguês, surge também outro trabalhador livre. Trabalhador este que não aparecem como meio de produção – como eram os escravos – mas também não possuem seus próprios meios de produção. Este é o homem livre moderno.
O real não é feito de coisas. Não dá para dizer que há, de um lado, a coisa física, e de outro, a idéia desta coisa. “A historia é o real e o real é o movimento incessante pelo qual os homens, em condições que nem sempre foram escolhidas por eles, instauram um modo de sociabilidade e procuram fixá-lo em instituições determinadas.”

Histórico do termo

Destutt de Tracy foi quem usou pela primeira vez o termo ideologia em seu livro Eléments d’Idéologie, que pretendia elaborar uma ciência da gênese das idéias, tratando-as como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano, enquanto organismo vivo, com o meio ambiente.
Os ideólogos eram partidários de Napoleão e apoiaram o golpe de 18 Brumário, tornado alguns deles até senadores ou tribunos. Porém, decepcionados com ele, passaram à opor-se as leis e são, por isso, excluídos do Tribunado e sua academia é fechada. Os decretos de Napoleão à nova Universidade Francesa dão plenos poderes aos inimigos dos ideólogos, para o partido da oposição. Foi então que, em uma declaração de Napoleão, surge o sentido pejorativo dos termos “ideologia” e “ideólogos”, que dizia, entre outras coisas, que todas as desgraças que afligiam a França deveriam ser atribuídas à ideologia. Marx conserva o significado dado por Napoleão para os ideólogos franceses para os alemães: o ideólogo é aquele que inverte as relações entre as idéias e o real. A partir daí, o termo que designava uma ciência natural da aquisição, passa a um sistema de idéias que desconhecem sua relação real com o real.
Augusto Comte passa a usar o termo ideologia próximo a seu sentido original em seu Cours de Philosophie Positive, passando a ter dois significados. Ideologia, então, passa a ser sinônimo de teoria. A partir daí, a concepção positivista de ideologia como conjunto de conhecimentos teóricos possui três conseqüências principais:
1.      Reduz a teoria à simples organização sistemática e hierárquica de idéias. Indagação tida como metafísica ou teológica, contraria ao espírito positivo ou cientifico
2.      Relação autoritária de mando e obediência entre a teoria – manda porque tem idéias – e a prática – obedece porque é ignorante.
3.      A prática como simples instrumento ou técnica que aplica automaticamente regras, normas e princípios vindos da teoria.
Voltamos a encontrar o termo “ideológico” no capítulo II do livro de Durkheim, Regras para o Método Sociológico. Durkheim tem a intenção de criar a sociologia como ciência. Para tanto, é necessário a regra fundamental da objetividade cientifica sendo a da separação entre sujeito do conhecimento e objeto do conhecimento, separação que garante a objetividade porque garante a neutralidade do cientista, e ideologia é todo o conhecimento da sociedade que não respeite esses critérios. O ideólogo é um resto, uma sobra de idéias antigas, pré-científicas.
“A ideologia não é um sinônimo de subjetividade oposta à objetividade, que não é pré-conceito nem pré-noção, mas que é um “fato” social justamente porque é produzida pelas relações sociais, possui razoes muito determinadas para surgir e se conservar, não sendo um amontoado de idéias falsas que prejudicam a ciência, mas certa maneira da produção das idéias pela sociedade, ou melhor, por formas históricas determinadas das relações sociais.”

A concepção Marxista de ideologia

É importante observar que, embora Marx tenha escrito sobre a “ideologia geral”, seu texto tem como título “Ideologia Alemã”. Sendo assim, podemos dizer que ele privilegia os pensadores alemães.
Essa observação torna-se importante, primeiramente, porque Marx não separa a produção das idéias e as condições sociais e históricas nas quais são produzidas (separação que é característica da ideologia). Em segunda instancia, para entender o pensamento de Marx, precisamos saber a filosofia de Hegel. Marx procura distinguir os tipos de ideologias: a dos franceses é política e jurídica, já entre os ingleses é, sobretudo, econômica. Os ideólogos alemães são, antes de tudo, filósofos.
Marx dirige suas criticas aos principais ideólogos alemães (Feuerbach, F. Strauss, Max Stimer, Bruno Bauer, entre os principais). Ele dizia que esses filósofos pretendiam acabar com o sistema hegeliano com suas criticas, alem de ter também tomado um aspecto da realidade humana, convertido esse aspecto numa idéia universal e passado a deduzir todo o real desse aspecto idealizado.
Há uma revolução de pensamento na Europa.
A história da Natureza não nos interessa aqui, mas sim a historia dos homens, “pois quase toda ideologia se reduz ou a uma concepção distorcida desta historia ou a uma abstração completa dela. A própria ideologia não é senão um dos aspectos desta historia.”
Voltando a concepção de espírito, observamos que ele começa em seu momento natural, como algo dado: assim temos indivíduos com vontades livres, que podem ter as propriedades naturais através do trabalho. Mas esses indivíduos não são apenas proprietários – sua vontade livre não se relaciona apenas com as coisas e proprietários exteriores. Cada individuo livre relaciona-se consigo mesmo e com sua interioridade. E este sujeito livre interior chama-se sujeito. As relações entre os sujeitos chamam-se Moral.
Há uma contradição no interior de cada individuo entre sua face-pessoa (proprietário) e sua face-sujeito (moral). Ou seja, como proprietário ele se torna não moral e como sujeito ele se torna não proprietário.
“A resolução desta contradição se dá em dois momentos: o primeiro se forma a família, e no segundo se forma a sociedade civil.”
A família agrega os interesses dos proprietários e os deveres do sujeito. Essa vida comunitária, Hegel a denomina “Espírito Subjetivo”. Mas a existência de várias famílias reabre a contradição entre elas. A luta entre elas é o primeiro momento da sociedade civil. Esta, por sua vez, resolve os problemas entre as famílias, diferenciando os interesses públicos dos privados através do Direito. O individuo não se define mais pela família, mas sim pelo que causa sua desestruturação: as classes sociais.
Essa sociedade é dividida em três classes: a primeira é aristocracia, proprietária de terras, ligada à família. A terceira, classe universal, média, é constituída por funcionários do Estado. A classe intermediária é constituída pela classe formal: funcionários da indústria e do comercio, que vivem de trabalho próprio ou alheio. A sociedade nega o indivíduo isolado e membro de família, aceitando-o apenas como membro da sociedade: o cidadão. Agora, reabre a contradição entre cada cidadão e sua classe social, e a resolução para isso é feita pelo Estado – unidade final; onde o cidadão torna-se verdadeiramente real (Espírito Objetivo). Nele se harmonizam os interesses da pessoa (proprietário), do sujeito (moral) e do cidadão (sociedade e política).
Marx conserva da concepção hegeliana o conceito de dialética como movimento interno de produção da realidade cujo motor é a contradição: percebemos a luta de classes. Ele conserva também as diferenças entre abstrato/concreto, imediato/mediato, aparecer/ser.
No modo de produção agora capitalista, temos o homem como uma mercadoria, que vende no mercado sua força de trabalho (valor de uso e valor de troca). Neste modo, o objetivo é o lucro, e para obter tal, dá-se o seguinte esquema: se fosse justa a troca do trabalho pelo dinheiro, o cidadão que trabalhasse oito horas por dia para produzir um produto que custasse R$ 16,00, ganharia esse mesmo valor, porém, o que se vê é um ganho de R$ 8,00, o que deixa sobrar R$ 4,00, que é a mais-valia, o lucro (tempo de trabalho não pago). Graças a mais-valia, a mercadoria não é um valor de troca ou de uso, mas sim um valor capitalista. Estamos diante do modo de constituição real do sistema capitalista
Marx conserva também que a realidade é histórica, e por isso reflexionante, que realiza a reflexão. Mas essa reflexão não é mais feita pelo Espírito, como supunha Hegel, e sim por uma matéria, a matéria social – o modo como os homens produzem e reproduzem suas condições materiais de existência e o modo como pensam e interpretam essas relações. A reflexão, no materialismo histórico-dialético, é dado pelo sujeito: são as lutas de classes sociais.
As classes sociais não são coisas nem idéias, são relações sociais determinadas pelo modo como os homens se dividem no trabalho, instauram formas determinadas da sociedade, reproduzem e legitimam aquela divisão e formas por meio das instituições sociais e políticas. As classes sociais são o fazer-se classe dos indivíduos de suas atividades econômicas, políticas e culturais.
Outro conceito que Marx conserva é o conceito de alienação. Ele diz que a alienação não é do Espírito, mas do homem real e também que esta não se dá principal e unicamente na religião, mas sim no trabalho. Aí acontece o primeiro momento do fetichismo da mercadoria (ela existe em si e por si). O trabalhador não reconhece o produto como resultado de seu trabalho, mas sim como um poder separado de seu trabalho, um poder que domina e ameaça. A mercadoria é vista pelo trabalhador e pelos membros da sociedade como uma troca justa, dotada de valor de uso (utilidade) e valor de troca (preço). O segundo momento desse fetiche acontece como no mundo religioso: a mercadoria, assim como os deuses, tem poder sobre seus crentes e adoradores; os domina como uma força estranha.
Marx afirma que no modo de produção capitalista as relações sociais são exatamente como são vistas: os homens são transformados em coisas (forças de trabalho) e as coisas são realmente transformadas em “gente” (porque passam a ter relações sociais).
Engels e Marx determinam que o surgimento da ideologia se deu quando a divisão social do trabalho separa trabalho material ou manual do trabalho intelectual. Sendo assim, partiremos nossa linha de raciocínio a partir desta divisão.
A divisão social do trabalho é uma manifestação de algo fundamental na existência histórica: a existência de diferentes formas de propriedade, isto é, a divisão entre as condições e instrumentos ou meios do trabalho e o próprio trabalho, incidindo, por sua vez, na desigual distribuição do produto do trabalho. A DST engendra e é engendrada pela desigualdade social ou pela forma de propriedade. A propriedade privada, por sua vez, é o resultado das transformações da estrutura social, ou seja, da forma da propriedade e da divisão do trabalho. E é aí que a DST alcança seu ápice: de um lado os proprietários privados do capital, e, de outro, os trabalhadores despossuídos, donos apenas de sua força de trabalho.
Em Fundamentos para a Contribuição à Crítica da Economia Política, Marx acrescenta ainda mais um conceito à DST: o de modo de produção, que define a relação de produção a partir do processo de constituição das forças produtivas na DST. “Este não é um dado, mas uma forma social criada pelas ações econômicas e políticas dos agente sociais; é o sistema das relações de produção e de suas representações por meio de categorias jurídicas, políticas, culturais, etc.”
A consciência está ligada as condições materiais de produção da existência, das formas de intercâmbio e de cooperação, e as idéias nascem da atividade material. Porém, os homens não representam nessas idéias a realidade de suas condições materiais, mas sim como lhes parecem; invertida. A partir deste momento, as relações sociais aparecem nas ideias como coisas por si mesmas e não como conseqüência das ações humanas. Ao contrário, as ações humanas são vistas como decorrentes da sociedade, que é representada como tendo vida própria. Portanto, “a forma inicial da consciência é a alienação.” E assim a ideologia torna-se possível: “as ideias serão tomadas como superiores e exteriores s ela, como um poder espiritual autônomo que comanda a ação material dos homens.”
As ideias parecem estar em contradição entre elas e o mundo, porém, a contradição é a consequência do fato de que o mundo real é uma contradição. Por exemplo, faz parte da ideologia burguesa dizer que “educação é um direito de todos”, porém, os próprios pedreiros que constroem as escolas não tem esse direito e, muitas vezes, não conseguem mandar nem seus filhos à ela. Mas essa contradição existe porque existe ainda outra: a contradição entre os que produzem a riqueza material com seu trabalho e os que usufruem dessas riquezas, excluindo delas os seus produtores.
Assim como a divisão entre trabalho manual e intelectual nasce da suposição de uma autonomia das ideias, dos conflitos de interesses de classes nas uma instituição: o Estado. Porem, ele é uma maneira de fazer com que os interesses de uma classe mais forte ganhe aparência de interesses coletivos; é ilusório. É como abre o caminho para a ideologia política que explica a transição de um sistema político para outro.
A DST produz classes contraditórias, sendo assim, a sociedade civil se realiza como luta de classes, e essa luta é que é a historia. A sociedade não é um grande individuo coletivo, essa é uma ideologia burguesa que mostra justamente ao contrario: a sociedade é uma grande luta de classes, essa relação com os indivíduos é uma relação alienada.
As automatizações das classes diante dos indivíduos os fazem encontrar suas condições de vida pré-estabelecidas, tendo assim suas condições de vida determinadas pela classe. A ideologia burguesa transforma as classes sociais em objeto de estudo da sociologia, estudando-a como fato e não como resultado da ação humana. Essa mesma ideologia fará com que os homens creiam que essa desigualdade é natural, ou por talento (os que trabalham enriquecem e os preguiçosos empobrecem).
Mas essa teoria, sendo Marx e Engels, não está encarregada de conscientizar os indivíduos da alienação de poucos sobre todos os outros. “Percebemos, então, que a teoria não esta encarregada de tomar o lugar da prática, fazendo a realidade depender das ideias”
Resumindo, a ideologia torna-se possível pois há a separação entre trabalhos manuais e intelectuais; há também o fenômeno da alienação e, por último, a luta de classes. A ideologia é o processo pelo qual as ideias da classe dominante se tornam ideias de todas as classes sociais, se tornam ideias dominantes. Para que isso ocorra, é preciso que os membros não percebam estar divididos em classes, mas se vejam como tendo certas características em comum que tornam as diferenças sociais algo de menor importância. E, para que essa semelhança aconteça, é necessário que elas sejam revertidas em ideias comuns a todos e para que isso ocorra é necessário que a classe dominante distribua essas ideias, através da religião, educação, costumes, etc. “Como essas ideias não exprimem a realidade real, mas representam a aparência social, as imagens das coisas e dos homens, é possível passar a considerá-las como independentes da realidade e, mais do que isto, inverter a relação fazendo com que a realidade concreta seja tida como a realização dessas ideias”.
“Os ideólogos são aqueles membros da classe dominante ou da classe media que, em decorrência da divisão social do trabalho em trabalho material e espiritual, constituem a camada dos pensadores ou dos intelectuais. Estão encarregados, por meio da sistematização das ideias, de transformar as ilusões da classe dominante em representações coletivas ou universais. Assim, a classe dominante se divide em pensadores e não pensadores, ou em produtores ativos de ideias e consumidores passivos de ideias.”
A hegemonia é o fenômeno da manutenção das ideias. Por exemplo, a classe dos trabalhadores, se aceitam uma ideologia é porque a DST foi interiorizada por eles, fazendo-os crer que não sabem pensar e que devem confiar em quem pensa. Sendo assim, também são vitimas das ideias dominantes.
A ideologia é um instrumento de dominação de classes e sua existência é a divisão da sociedade em classes contraditórias. Essa divisão se dá na separação entre proprietários e não proprietários das condições e dos produtos de trabalho. A ideologia tem como papel fundamental dissimular, inverter a realidade. Ela fingi não ter nascido da luta de classes para servir a uma classe dominante. A ideologia tem sua produção no momento em que, primeiramente, ela se encarrega de produzir uma universalidade de um conjunto sistemático das ideias da classe dominante. Em segundo lugar, ela torna-se aquilo que Gramsci chama de senso comum; ela se populariza e é aceita por todos os membros da sociedade. Em terceiro lugar, depois de interiorizada nos dominados, a ideologia permanece até mesmo quando surgir uma nova classe dominante, pois o papel dela é justamente esse: parecer que as ideias estão desligadas dos dominantes, fazendo, assim, com que a mesma ideologia permaneça. No caso de essa afirmação esvairar-se, acontece o que Gramsci chama de crise de hegemonia: quando uma sociedade dominada reivindica suas ideias (como o que acontece para o surgimento do fascismo). Quando hoje falamos que o país passa por uma crise hegemônica e nos referimos apenas ao descontrole político e econômico, estamos usando o termo erroneamente.
“A ideologia é um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, policias e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir da divisão na esfera da produção.”