quinta-feira, 14 de julho de 2011

LINGUAGEM E IDEOLOGIA – JOSÉ LUIZ FIORIN

        Fiorin inicia sua obra dando vestígios de suas pretensões e objetivos. Entre eles destacamos o de, não somente mostrar que pronúncias mais prestigiadas são impostas com o objetivo de descriminar seus não usuários, mas também o de “refletir sobre as relações que a linguagem mantém com a ideologia”.
A linguagem não é nem totalmente autônoma; desvinculada da vida social, nem deixa de lado sua especificidade.
Primeiramente, é preciso distinguir o sistema virtual (a língua – social; comum a todos os falantes de uma língua) e sua realização concreta. Esse sistema virtual, abstrato, acontece concretamente no ato da fala. Na realização concreta do sistema necessitamos distinguir fala de discurso. O discurso são os elementos linguísticos usados pelos falantes para exprimir seus pensamentos. A fala é o que o discurso usa para exteriorizar-se psicofísico-fisiologicamente.
Podemos falar em certa autonomia do sistema em relação às formações sociais: grande parte das modificações é causada especificamente por fatores linguísticos. A analogia é um bom exemplo disso. Ela é encarregada de uniformizar o uso para facilitá-lo como no caso de, quando a criança está aprendendo a falar, ela conjuga os verbos da seguinte maneira: fazi, trazi, dizi. Isso se dá porque, em português, a forma produtiva de primeira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo da segunda conjugação é em i (bebi, desci, escrevi), sendo assim, ela (a criança) usa essa regra como modelo. Porém, a criação infantil é eliminada no curso da aprendizagem. Há, no entanto, analogias que produzem alterações no sistema. É o caso de nomes que eram femininos em latim e, passando para o português, tiveram por causa de sua terminação em o seu gênero alterado para masculino, com no caso de árvores: pinho, olmo, choupo.
 Não há como, precisamente, definir quais as razões de aparecimentos de categorias existentes no sistema lingüístico. O que devemos, então, é estudar no nível do discurso essas coerções sociais que determinam a linguagem.
O discurso não é caótico, é estruturado: temos que diferenciar no seu interior uma sintaxe e uma semântica. Pertencem à sintaxe os processos de estruturação do texto. “A semântica discursiva abarca os conteúdos que são investidos nos moldes sintáticos abstratos.” Por exemplo, quando se abre um discurso direto, esse fato pertence à sintaxe, porém, a quem se delega a voz, o que o personagem diz etc. pertencem à semântica. A sintaxe tem certa autonomia em relação a formações sociais, já a semântica depende mais diretamente de fatores sociais.
A sintaxe discursiva usa de estratégias argumentativas e outros procedimentos para criar efeitos de verdade/realidade para convencer seu interlocutor: é o campo da manipulação consciente. A semântica discursiva traz consigo temas discursivos que recobrem determinadas épocas. Nela acontece o campo das determinações conscientes, que constitui um conjunto de elementos semânticos habitualmente usados: dinheiro não traz felicidade; os homens são desiguais por natureza; etc. 
No entanto, não é porque discursos de diferentes extremos utilizam-se de um mesmo elemento semântico que não podemos distingui-los. Para tanto, é preciso que observemos o nível profundo e superficial do discurso, pois cada um dos níveis não tem apenas uma semântica, mas uma sintaxe própria. Dois elementos semânticos podem, por exemplo, apresentar sentidos eufóricos e disfóricos em um determinado discurso enquanto que, num outro, a sequência seja o inverso.
É possível que nós, de várias maneiras, exterioriorizemos um mesmo discurso. Por exemplo, podemos dizer a uma criança que é preciso trabalhar e se precaver. No entanto, podemos também contar a fábula da formiga e da cigarra, que de uma maneira figurativa, recobrirá os mesmos temas: empenho/esforço para poder ter uma vida tranqüila, etc. É uma diferente maneira de dizer a mesma coisa.
Falamos, até agora, de ideologia, fatores sociais de determinam a semântica discursiva, mas ainda não demos uma definição. Pois bem. Ideologia é um conjunto de ideias da classe dominante da sociedade que prevalecem sobre outras – dominados - , usada para explicar fenômenos da ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com outros homens de uma forma invertida a realidade, fazendo-os “comprar uma idéia” e aceitar a “realidade”. O salário, por exemplo, parece-nos uma troca justa na aparência, porém, na essência, o salário nada mais é que um trabalho não pago que gera a mais-valia para o proprietário: esse é o modo de produção capitalista, logo, ideologia burguesa. Ideologia não é individual, é social. E ela é muito mais que essas ideias soltas que faço notas aqui, no entanto, nos está bom no momento.
Uma formação ideológica é uma visão de mundo de uma determinada classe social, ou seja, um conjunto representações de ideias que revelam uma compreensão que cada classe tem do mundo. Como não há idéia sem linguagem, não existe visão de mundo sem linguagem. Sendo assim, cada formação ideológica (visão de mundo) corresponde a uma formação ideológica (conjunto de temas e figuras que materializa uma dada visão de mundo). E se a ideologia dominante é o da classe dominante, o discurso dominante também será o da classe dominante. O pensamento e a linguagem são distintos, mas indissociáveis.
Após essa nossa ultima afirmação, cabe-nos perguntar: “e onde fica a consciência individual?”. Cada pensador descreve-a de um modo singular: Marx e Engels afirmam, em A ideologia alemã, que “a linguagem é a consciência do real”. E Bakhtin diz que “a consciência constitui um fato socioideológico”, porque a realidade da consciência é a linguagem. Segundo essa afirmação, sem a linguagem não podemos falar em psiquismo humano, somente em processos do sistema nervoso pois o conteúdo da consciência são fatores sociais que determinam a vida concreta dos indivíduos do meio social. O discurso não é a expressão da consciência, mas esta, por sua vez, é formada por vários discursos interiorizados pelo individuo ao longo de sua vida. Assim, o homem aprende a ver o mundo pelos discursos que assimilou e, quase sempre, os reproduz na fala.
Como já foi citado anteriormente, há várias formas de se dizer uma mesma coisa, um mesmo discurso. Na linguagem há certa singularidade quando se trata deste assunto. Sabemos que o discurso é abstrato e necessita do texto, concreto, para se exteriorizar. Com isso, há inúmeras formas de se exteriorizar um mesmo discurso; um mesmo tema em vários planos de expressão. Por exemplo, os grandes detalhes que o livro precisa fornecer para que imaginemos uma cena Romântica, com ricos detalhes que, já em filme, não teria tanto enfoque. Neste caso, nunca um será completamente igual ao outro. Há sons, imagens, entre outras coisas que um livro não é capaz de expressar como o cinema, no entanto, há rimas, detalhes que só são possíveis se lidos em um livro. Cada meio de expressão se adaptará ao seu modo. O mesmo acontece se usarmos uma língua natural e não outra: e esse é o problema da tradução.
O discurso é a manifestação da ideologia. Seguindo uma linha de raciocínio, podemos dizer, então, que o discurso também é social, mesmo que os indivíduos pensem que cada um produz o discurso que bem entender. O que faz essa simulação é o fato de que o que exterioriza o discurso é o texto, e, esse sim é individual. Cada um pode textualizar a sua maneira, porém, é coagido a dizer o que sua classe diz. E essa é a dissimulação que o discurso faz: finge ser meu para dissimular que é do outro.
O falante não pode ser considerado como agente do discurso, mas sim como suporte, pois ele fala e pensa o que a realidade permite que ele fale e pense. Quando as formações discursivas vão se materializando em formações ideológicas e estas relacionadas às classes sociais, os agentes discursivos são as classes e as frações de classes. “A aprendizagem lingüística, que é a aprendizagem do discurso, cria uma consciência verbal, que une cada individuo aos membros de seu grupo social. Por isso, a aprendizagem lingüística esta estreitamente vinculada a produção de uma identidade ideológica, que é o papel que um individuo exerce no interior de uma formação social (...). Na medida que o homem é suporte de formações discursivas, não fala, mas é falado pelo discurso.”
O discurso não é um sistema fechado em si se ele cita outro discurso. Ele é um “lugar de trocas enunciativas, em que a historia pode inscrever-se, uma vez que é um espaço conflitual e heterogêneo ou um espaço de reprodução.” Um discurso pode aceitar ou não outros discursos, pode negá-los, ironizá-los. Por isso é que dizemos que o discurso é arena de conflitos e palco de acordos, e, só por estes é que podemos falar em contrato e polemica entre textos.
O analista de discurso não está encabido de desvendar a verdadeira ideologia do autor do discurso. Cabe ao analista ressaltar os efeitos de sentido presentes no texto e indicar a que ideologia pertence. Em um mesmo texto é possível encontrarmos mais de uma ideologia, mais de uma visão de mundo dos enunciadores (um ou mais) presentes no discurso.
Como a linguagem é uma visão de mundo, ela dá forma a esse caos, determinando o que é uma coisa, um acontecimento etc., cria uma imagem ordenada do mundo. E cada língua ordena o mundo à sua maneira. “A linguagem formou-se, no decorrer da evolução filogenética, constituindo um produto e um elemento da atividade prática do homem. À medida que os sistemas lingüísticos se vão constituindo, vão ganhando certa autonomia em relação às formações ideológicas. Entretanto, o componente semântico do discurso continua sendo determinado por fatores sociais. É esse componente que contem a visão de mundo veiculada pela linguagem”. Os filósofos materialistas afirmam que a linguagem é reflexo da realidade. Aqui, reflexo significa dizer que a linguagem condensa, cristaliza e reflete as práticas sociais, ou seja, é governada por formações ideológicas.
Fiorin apresenta nesta obra também alguns exemplos de ideologia(s) presentes em alguns textos. Como exemplo de ideologia no modo de produção capitalista, temos a ideologia burguesa. Esta pode ser exteriorizada em textos recobertos por temas de liberdade, igualdade, naturalidade das relações sociais etc. Um texto pode expor sua(s) ideologia(s) através de temas ou figuras, lembrando que todo texto possui os dois, porém, sempre prevalece um sobre o outro.
Marr afirma que a linguagem faz parte da superestrutura, enquanto que Stálin nega essa hipótese. Vejamos este fato de modo esquemático, portanto, grosseiro.
As afirmações de Marr são negadas, primeiramente, pelo fato de que sua tese da monogênese da linguagem supõe que haveria luta de classes numa sociedade primitiva, onde não havia classes. Em segundo lugar, Marr admite a existência de um pensamento antes à linguagem, porém, Marx e Engels dizem que “a linguagem é tão antiga quanto a consciência”. Também sua tese dos estádios lingüísticos foi por água abaixo: não podemos associar um sistema lingüístico à uma corrente de progresso, nem dizer que determinada língua mudará somente por estar ou não ligada a essa corrente.
Stálin, contrariando as teorias de Marr, afirma que a linguagem não faz parte da superestrutura, pois não há línguas de classe, mas línguas comuns aos mesmos povos. Se assim o fosse, teríamos, por exemplo, uma gramática burguesa e uma gramática proletária. Mas as teorias de Stálin também são alvos de apontamentos sobre algumas falhas: “Stálin vê o problema da linguagem de maneira muito restrita, uma vez que leva em conta apenas a dimensão sistêmica (a língua), não se ocupando do discurso, não podem perceber as determinações históricas que atuam sobre a linguagem”
Negando parcialmente essas negações de Stálin, Fiorin diz que, ao mesmo tempo que a linguagem permeia toda a superestrutura, constitui formações discursivas que pertencem à ordem superestrutural. A linguagem não faz parte da superestrutura, mas é o seu suporte, é através dela que é possível ganhar materialidade.
Fiorin escreve que não há como afirmar ou negar esta pergunta (se a língua faz parte da superestrutura), que ela deve ser positiva e negativa, simultaneamente.
Voltando a falar sobre o discurso, podemos dizer que ao nos utilizarmos dele, estamos agindo. Primeiramente, porque quem diz algo espera estar influindo, de algum modo, sobre seu interlocutor. Quando nos comunicamos queremos que a pessoa que nos ouve mude de opinião, comportamento, faça alguma coisa. Ou ainda, agimos porque em nossa comunicação estamos reproduzindo em nosso discurso elementos da formação discursiva dominante e, consequentemente, para reforçar as estruturas das dominações.

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